terça-feira, 29 de março de 2011

A Caixa em Cima do Armário

Deitei de lado sobre a cama que foi minha e de Laura pelo curto período em que ficamos juntos. Ao lado, um criado mudo decorado com a orquídea que floriu estes dias. O sono do período pós-almoço invadiu-me de uma forma inesperada. Meu corpo, um pouco mole, um pouco cansado, sentia-se desconfortável na posição em que estava.

Virei-me tentando ajustar minha coluna às molas mal articuladas. "-Esse colchão velho precisa ser queimado!", parei para pensar no que havia dito, lembrei do que minha mãe sempre dizia quando eu tinha meus vinte e poucos anos e reclamava das coisas velhas: "-Um dia você também será!", acho que ela ficava imaginando o que eu faria com ela. Eu respondia que quando eu fosse velho, meus filhos me colocariam em um asilo, ou algo do tipo, para não deixar a minha velhice perturbar ninguém. Ela sempre permanecia calada sem olhar ou mostrava-me um riso preocupado.

Olhei para cima do grande guarda-roupas mogno e vi uma caixa de madeira onde Laura costumava guardar algumas coisas pessoais. Corri até a cozinha, peguei uma cadeira, voltei arrastando-a e subi por cima dela. Alcancei a pequena caixa de madeira, peguei e a coloquei sobre a cama. Uma grossa camada de poeira cobria a superfície. Meu coração estava disparado, a pressão subiu. Fui tomado pela curiosidade de tal forma que nem pensei direito no que estava fazendo, mexendo nas coisas de Laura, será que eu poderia fazer isto?

Abri a caixa com as mãos trêmulas, dentro dela haviam fotos antigas do tempo que nos conhecemos, um colar de pérolas antigo e quebrado, um diário trancado por um pequeno cadeado dourado em formato de coração, cartas antigas, papéis amarelados, fitas e pulseiras. Examinei com cuidado cada foto com cuidado, frente e verso, me emocionei com algumas, com outras ri. Atrás das fotos, sempre palavras de muito carinho e atenção. Não sei o porque, mas ela sempre teve uma psicose com datas, não deixava nada sem marcar.

Levantei e olhei para a cama. Estava pequena para tantas fotos e objetos espalhados por cima dela. Tantas recordações só provam que o tempo passou, foi implacável, não perdoou os nossos descuidos, as vezes que deixamos de aproveitar a vida. E agora, o que restou além da saudade dos bons tempos? Um velho que mais do que nunca repete a frase que sua mãe dizia: "-Um dia você também será!".

Quando despertei dos meus pensamentos, ainda olhando em pé para a cama, o diário destacava no meio de todos aqueles objetos antigos. Fiquei olhando-o, tentando pensar em algo. Queria abri-lo, peguei um martelo para quebrar o cadeado, mas não consegui. Coloquei-o em cima do criado mudo. Eu imaginava o que poderia ter alí, quais segredos Laura poderia ter deixado escrito? Resolvi que não o abrirei. Tentarei resistir, mesmo sabendo que a curiosidade sempre é mais forte do que as ações do meu corpo.

2 comentários:

  1. Belo texto. e quais segredos haverão no diario de laura? também fiquei curiosa.
    vai abrir essa caixinha de pandora seu miguel?

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  2. É, seu Miguel... A decisão é sua.
    Pergunte-se se ela gostaria que você fizesse tal coisa, pode ajudar na decisão.

    Muito bom, como é de praxe.

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