quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Bem, ela se foi..

O barulho da campainha livrou-me do transe repentino. Parado, olhando para as prateleiras vazias da geladeira e sem qualquer pensamento fixo, despertei de um estado de inconsciência. Há muito ninguém batia à porta. Cheguei a testar a campainha algumas vezes, ligar para meu próprio telefone para ver se estava com defeito. Tudo em ordem.

Corri para a porta principal com certa ansiedade. Havia de ser Laura. Desde que terminamos, ela desaparecera da minha rotina. Levei tempo para acostumar a dormir sozinho, mais difícil ainda foi superar o vazio das típicas tardes de domingo. Mulher nenhuma é tão forte a ponto de terminar um relacionamento e não insistir em uma última briga, um último “Vá para o inferno”. Existia algo de errado em Laura, não me recordo de tanto orgulho e força naqueles olhos.

Eu atravessei o corredor que dá acesso à porta da frente. Aquele corredor nunca fora tão extenso, isto, pois cada passo demorado perecia a possível impaciência de quem estava esperando do outro lado da porta.

-Talvez seja apenas o carteiro. Melhor arrumar ao menos o cabelo.

Tentei arrumar os cabelos no espelho da grande estante de madeira que fica na saída do corredor. 

-Estou um trapo! – pensei em voz alta.

Demorei a me reconhecer no espelho. Aquele estranho que me encarava com um olhar morto não poderia ser eu. Tinha sua barba esbranquiçada e por fazer, olheiras tão profundas e escuras que não pareciam existir noites em seu mundo. O pouco cabelo que lhe restava era branco. Em sua face, mostrava o que era acumular o sofrimento de uma vida amargurada. Talvez, se os rumos que a vida tomou fossem diferentes, não pareceria existir tanta idade em seu molde. 

Alcancei a porta. Subiu-me uma tensão inesperada. Agarrei a maçaneta com força, respirei fundo e a abri tentando fazer um careta que não assustasse a visita. Quando abri a porta, percebi que eram apenas crianças brincando de tocar a campainha das casas e correr do grande monstro que poderia pegá-las. Talvez tenha me transformado nisto. 

-Malditas! - Gritei fechando a porta.

Tentei me recompor enquanto caminhava em direção ao espelho. O olhar distante, sem direção, se perdeu de novo por minutos. Bem, ela se foi. Com o rosto corado, segurando fortemente suas lágrimas, abraçou-me por alguns instantes. Ela deu as costas e caminhou. Parou alguns metros à frente, olhou para trás, tentou esboçar um sorriso, mas mal conseguiu um de canto de boca. Apontou o nariz para frente e foi sem olhar para trás. Eu sei, as memórias se confundem entre o presente e o passado. Elas estão embaralhadas, mas é assim que se parece para mim.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Presença Suave

Ontem fiz o que é costume de todos os dias: Depois de escurecer, deixei a água ferver para o café enquanto arrumava algumas coisas na cozinha. A bagunça e sujeira denotavam a ausência da minha secretaria que pedira licença do trabalho para ir à reunião dos pais na escola do filho mais novo. Eu que nunca gostei de lavar pratos, fazia agora assobiando. Laura sempre brigava por essas coisas:

-Como pode um homem desses? Não tira nem o prato da mesa! E se um dia eu não estiver mais aqui? Quem vai organizar esta casa?

-Deixe de bobagens, você sempre estará aqui comigo. Imagina você velhinha brigando comigo?

Laura gostava destes clichês. No fundo, tudo que ela queria era ouvir que estaríamos velhinhos e juntos. Ela sorria. Um sorriso bobo que as vezes dava para ver até pelas costas dela e assim esquecia facilmente o motivo da bronca. Também minha resposta sugeria que nunca mudaria, nem brigando a vida toda.

As lembranças e o silêncio foram interrompidos pelo barulho da água que começara a ferver. Com os olhos nos pratos e os ouvidos concentrados na chaleira, pensei no pouco tempo que ficamos juntos. As nossas maiores brigas eram por coisas tolas como pratos, toalhas molhadas em cima da cama e a tampa do vaso sanitário. Estas coisas que já nascem com os homens.

Ainda longe de terminar minha tarefa árdua e já pensando em deixar tudo como estava até segunda,  minhas mãos começaram a doer. A água gelada deixou meus dedos roxos e começava a incomodar. No momento que ouvi uma voz doce sussurrando em meu ouvido:

-Não precisa!

Olhei para trás assustado.Voltei pelo corredor em direção à sala de estar. As portas trancadas, janelas fechadas. Eu estava sozinho em casa, apenas o vento forte forçava entrar pelas frestas da janela de madeira.
Voltei aos pratos, com pouca coragem e mais preguiça ainda.

- Miguel, deixe aí..

Virei assustado. O coração disparado, quase saindo pela boca. Arrepiado até o pé, pálido, tentando recuperar o fôlego. Fiquei me questionando se estaria ficando louco ou algo do tipo. Acho que pensar em Laura está me fazendo mal. Talvez eu devesse largar de escrever sobre ela, vender a casa e ir morar em alguma praia longe daqui. Por hora, resolvi apenas terminar o trabalho todo e manter a cabeça no lugar.

domingo, 11 de setembro de 2011

Cristina

Há pouco acordei, o frio me impede de fazer movimentos bruscos, tudo que quero é voltar a dormir. Olhei para o relógio com preguiça, sem mexer muito o pescoço. Já não era cedo e por isso pensei em um bom motivo para não levantar da cama. No meio disso, lembrei do sonho que tive noite passada. Um sonho daqueles que você acorda sem entender o porquê de lembrar-se daquilo.

Foi com Cristina, uma mulher que eu conheci numa festa em minha casa. No dia em que a conheci, tomávamos vinho e falavamos besteiras sobre términos de relacionamentos. Ela chegou na sala e todo ar parecia correr em sua direção. Estava claro a partir daquele momento que eu estava interessado nela. Meu olhar é direto, procura o que há atrás dos olhos. Nunca consegui disfarçar meus olhares.

Cristina era alta, de corpo magro. Usava uma vestido estampado, não muito curto e de cores mistas e vibrantes. O vestido delineava bem suas curvas, dava leveza ao seu corpo esbelto. Seus cabelos pretos e encaracolados concentravam toda sua sensualidade e beleza. Os olhos escuros corriam sempre todos os cantos da sala. Lembro-me que ela pegava na taça de vinho com fina delicadeza.

Todo olhar que eu lançava, ela revidava. Eu a perseguia, não deixava escapar. Para qualquer lugar que ela olhasse, ali estava o meu olhar encarando-a. Os olhos dela eram sedentos de prazer. Eu podia pressentir que não era apenas eu quem estava me sentindo atraído. Eu precisava ser certeiro. Cristina não parecia ter feição em contos fáceis ou conversas fiadas.

Fiquei encarando-a por segundos, percebi que Cristina começava a se irritar e me afastei. Mostrei um pouco de indiferença. Fui áspero, algumas vezes, com algumas respostas mal intencionadas. Tive uma pequena oportunidade de confrontá-la e deu certo. Ela se sentia ainda mais atraída, não sabia o que fazer. Tentava não me olhar, corria os olhos de um canto para o outro da sala sempre passando milésimos de segundos através dos meus.

Ela sentiu que precisava de ar, precisava respirar, fugir de algo inevitável. Saiu e foi até a varanda do fundo da casa, onde ninguém podia vê-la e só havia o vento frio e a escuridão da noite. Acendeu um cigarro e olhou para o céu. Eu cheguei de mansinho, como quem não quer nada.

-Vai deixar seu vinho esquentar?

Ela perguntou-me se eu era algum tipo de garçon e disse que preferia quente, ousou-se ainda a insinuar que conhecia o meu tipo. Sinceramente, não existiu reação em mim por alguns segundos. Aquilo me deixou com mais vontade ainda. Eu não sabia o que pensar, não poderia evitar, de toda forma era mais forte que eu. Eu precisava tê-la naquele momento, alí mesmo na varanda.

Respondi com tom irônico que ela poderia pensar que eu fosse qualquer coisa para ela, mas que aquilo não mudaria quem sou de verdade. Ela sorriu e eu não acreditei no que vi. Seu sorriso era encantador, era convidativo à um beijo. Eu a puxei pelo braço com firmeza, o seu corpo ficou junto ao meu. Ela não sabia se olhava meus olhos ou meus lábios. Eu conseguia sentir seu coração disparado.

Beijei-a matando minha sede. As minhas mãos se encaixaram em seu pescoço, deslizaram por cima do vestido até a cintura. Joguei-a no chão. Fui beijando seu pescoço, descendo devagar. Minha barba arranhando sua pele fez com que se arrepiasse toda. Acho que ela estava tão fora de si, que nem percebeu quando lhe suspendi o vestido. Só percebeu o que estava acontecendo quando eu já estava beijando o que ela tinha de mais gostoso. Lembro-me que seu sabor era doce e apreciativo. Ela se contorcia, puxava meus cabelos, tentava não gritar. Me deliciei por alguns minutos e senti que já era hora de sentir prazer também.

Pedi para que se levantasse e que ficasse de costas para mim. Faziamos um movimento compassado, parecia que nossos corpos já se conheciam há muito tempo. O encaixe era perfeito, era simétrico. Eu a abraçava com força, minhas mãos corriam seu corpo, escorregavam sobre a pale macia, descia contornando sua cintura. As mãos dela acompanhavam por cima, as unhas grandes arranhavam meu braço causando mais prazer. Eu puxava-a pela sua cintura contra mim com força. Foi intenso, forte, prazeroso. Gozamos juntos, eu sentia sua respiração forte e ofegante, como se todo o ar não fosse o suficiente.

Voltamos para a sala, ainda com a respiração forte. Ela queria segurar minha mão, mostrar que estavamos juntos. Mas, para quê? Fiquei indeciso. Recusei, embora fosse notável uma parte do ocorrido.

sábado, 13 de agosto de 2011

Para Sempre?

O tempo voltou a correr no momento em que as nossas respirações foram retornando ao normal. Os sons externos ao quarto, enfim, puderam ser ouvidos novamente. Os sentidos que antes estavam concentrados apenas em nossos corpos, aos poucos se aguçavam enquanto contemplávamos o olhar e o riso incontido.

Deitado ao lado de Laura, não imaginava o quanto o tempo podia parar. Nada parecia importar, eu ia me deixando levar pelo toque suave da mão esquerda que no meu peito faziam movimentos cíclicos e perfeitos, ia me fazendo esquecer de tudo. Virou-se para mim com um olhar apaixonado e que de perto revelavam um sentimento que ela parecia nunca ter experimentado antes. Aquele olhar era tão intenso e envolvente, penetrava na minha alma me devorando por inteiro.

Seu corpo, entrelaçado ao meu, parecia mais vistoso à medida em que os frágeis raios de luz emitidos pelas velas, que iluminavam o quarto, iam percorrendo o corpo dela e se misturando as partes mais escondidas. Eu estava quase adormecendo quando ouvi ela sussurrar baixinho, como se tivesse medo de que eu ouvisse:

- Somos para sempre?

Tentei não me mover, nem encher os pulmões ao todo, melhor não respirar fundo para não esboçar nenhuma dúvida ou falsa reação. Na maioria das vezes, eu sou aquela pessoa que fala o que se quer ouvir. Sim, tenho essa qualidade que me impede de ser totalmente sincero. As vezes me incomoda, mas eu penso que o medo é pela culpa e cuidado em não magoar o outro. Laura dizia que se tem algo ruim para ser dito, melhor guardar para si. Apenas coisas boas devem ser compartilhadas.

- Não vai responder?

Eu realmente não sabia a resposta. Tentei imaginar coisas que duravam muito tempo, pensei em alguns exemplos; Nada é para sempre, tudo se desgasta com o tempo. A morte que separa, as arvores que são derrubadas, até as mais altas montanhas se transformam em montes de areia, já o amor, que naquele momento juramos ser eterno e sincero, um dia se acabará. Dizer isto, certamente acabaria com todo o romance do momento. Restava-me então cair em um daqueles clichês de amor:

- Sim, somos para sempre, mesmo que não dure.

Subitamente, ela encheu os pulmões de ar até não caber mais e num movimento só, esvaziou-os dizendo em seguida:

-Você é um péssimo mentiroso!

sábado, 23 de julho de 2011

O menino na galinhota

Num lugar muito movimentado, onde todo tipo de gente circulava, o foco do meu olhar sobre ele mudava a todo momento. Sentado na galinhota, ia carregado por todo o terminal. Ele era compulento, a pele morena, estava descalço, vestido apenas por uma bermuda, com as pernas cruzadas, os braços gordos e bem ativos. A mãe ficava sempre ao lado da criança, segurava-lhe forte pelo braço para que não escapulisse. Parecia querer controlar a agitação do menino, enquanto o pai carregava-o e pedia dinheiro com um olhar um pouco triste e muito carente.

De longe não dava para saber ao certo o problema do pequeno. Ia estendendo a palma da mão à todos para receber as poucas moedas que as pessoas lhe ofereciam. Alguns davam o que podiam dar sem pensar duas vezes, talvez pela caridade, por pena ou pelo amor ao próximo. Outros, viravam a cara, fingiam não ver, mostrando a indiferença nossa de cada dia.

Pararam em minha frente: "-Uma moeda, senhor?", disse-me o pai. Neste momento, uma memória minha e de Luara, do tempo em que namorávamos, tomou minha mente; enquanto caminhávamos na rua à noite, vimos alguns meninos de rua. Eles estavam deitados na calçada, tentando se cobrir, se protejer do frio. Eu resmunguei à Laura: "-Esses vagabundos!". Levei um tapa na cabeça. "-São pessoas assim como você, Miguel! Eles não têm culpa se não tiveram boas oportunidades.", Laura adorava me corrigir e eu não podia fazer nada, ela parecia estar sempre certa.

O menino gritando me fez voltar à mim. Ele fazia careta, tentava levantar, se livrar das mãos da mãe. Perguntei qual o problema do pequeno e fui respondido com um simples: "-Moço, ele é muito gordo e as pernas são fraquinhas, fraquinhas! Não se aguenta em pé, o coitado! E a gente tem que cuidar dele o dia todo, não dá para trabaiar". Fiquei observando desconfiado. Seria muito comovente, se eu fosse um pouco mais inocente e tivesse um coração mais puro. Daria o quanto pudesse, porém as vezes nós simplesmente não acreditamos. Respondi olhando para o lado que não tinha nada nos bolsos.

Sem perder tempo, nem dizer nada, continuaram pedindo às pessoas que estavam mais à frente. Enquanto se afastavam, uma senhora que estava do meu lado começou a resmungar: "-Eles usam o menino para ganhar dinheiro, todo dia estão na rua!". Pensei no que Laura me falou, pensei em responder, achei melhor ficar calado, olhando o momento em que o menino conseguiu levantar; pulou do carrinho e atravessou a rua correndo. "-Viu? Besteira! É dinheiro fácil, o menino é saudável, só enrolação!" voltou à resmungar a mulher que estava do meu lado.