sábado, 23 de julho de 2011

O menino na galinhota

Num lugar muito movimentado, onde todo tipo de gente circulava, o foco do meu olhar sobre ele mudava a todo momento. Sentado na galinhota, ia carregado por todo o terminal. Ele era compulento, a pele morena, estava descalço, vestido apenas por uma bermuda, com as pernas cruzadas, os braços gordos e bem ativos. A mãe ficava sempre ao lado da criança, segurava-lhe forte pelo braço para que não escapulisse. Parecia querer controlar a agitação do menino, enquanto o pai carregava-o e pedia dinheiro com um olhar um pouco triste e muito carente.

De longe não dava para saber ao certo o problema do pequeno. Ia estendendo a palma da mão à todos para receber as poucas moedas que as pessoas lhe ofereciam. Alguns davam o que podiam dar sem pensar duas vezes, talvez pela caridade, por pena ou pelo amor ao próximo. Outros, viravam a cara, fingiam não ver, mostrando a indiferença nossa de cada dia.

Pararam em minha frente: "-Uma moeda, senhor?", disse-me o pai. Neste momento, uma memória minha e de Luara, do tempo em que namorávamos, tomou minha mente; enquanto caminhávamos na rua à noite, vimos alguns meninos de rua. Eles estavam deitados na calçada, tentando se cobrir, se protejer do frio. Eu resmunguei à Laura: "-Esses vagabundos!". Levei um tapa na cabeça. "-São pessoas assim como você, Miguel! Eles não têm culpa se não tiveram boas oportunidades.", Laura adorava me corrigir e eu não podia fazer nada, ela parecia estar sempre certa.

O menino gritando me fez voltar à mim. Ele fazia careta, tentava levantar, se livrar das mãos da mãe. Perguntei qual o problema do pequeno e fui respondido com um simples: "-Moço, ele é muito gordo e as pernas são fraquinhas, fraquinhas! Não se aguenta em pé, o coitado! E a gente tem que cuidar dele o dia todo, não dá para trabaiar". Fiquei observando desconfiado. Seria muito comovente, se eu fosse um pouco mais inocente e tivesse um coração mais puro. Daria o quanto pudesse, porém as vezes nós simplesmente não acreditamos. Respondi olhando para o lado que não tinha nada nos bolsos.

Sem perder tempo, nem dizer nada, continuaram pedindo às pessoas que estavam mais à frente. Enquanto se afastavam, uma senhora que estava do meu lado começou a resmungar: "-Eles usam o menino para ganhar dinheiro, todo dia estão na rua!". Pensei no que Laura me falou, pensei em responder, achei melhor ficar calado, olhando o momento em que o menino conseguiu levantar; pulou do carrinho e atravessou a rua correndo. "-Viu? Besteira! É dinheiro fácil, o menino é saudável, só enrolação!" voltou à resmungar a mulher que estava do meu lado.