sexta-feira, 25 de maio de 2012

Presença Suave

Ontem fiz o que é costume de todos os dias: Depois de escurecer, deixei a água ferver para o café enquanto arrumava algumas coisas na cozinha. A bagunça e sujeira denotavam a ausência da minha secretaria que pedira licença do trabalho para ir à reunião dos pais na escola do filho mais novo. Eu que nunca gostei de lavar pratos, fazia agora assobiando. Laura sempre brigava por essas coisas:

-Como pode um homem desses? Não tira nem o prato da mesa! E se um dia eu não estiver mais aqui? Quem vai organizar esta casa?

-Deixe de bobagens, você sempre estará aqui comigo. Imagina você velhinha brigando comigo?

Laura gostava destes clichês. No fundo, tudo que ela queria era ouvir que estaríamos velhinhos e juntos. Ela sorria. Um sorriso bobo que as vezes dava para ver até pelas costas dela e assim esquecia facilmente o motivo da bronca. Também minha resposta sugeria que nunca mudaria, nem brigando a vida toda.

As lembranças e o silêncio foram interrompidos pelo barulho da água que começara a ferver. Com os olhos nos pratos e os ouvidos concentrados na chaleira, pensei no pouco tempo que ficamos juntos. As nossas maiores brigas eram por coisas tolas como pratos, toalhas molhadas em cima da cama e a tampa do vaso sanitário. Estas coisas que já nascem com os homens.

Ainda longe de terminar minha tarefa árdua e já pensando em deixar tudo como estava até segunda,  minhas mãos começaram a doer. A água gelada deixou meus dedos roxos e começava a incomodar. No momento que ouvi uma voz doce sussurrando em meu ouvido:

-Não precisa!

Olhei para trás assustado.Voltei pelo corredor em direção à sala de estar. As portas trancadas, janelas fechadas. Eu estava sozinho em casa, apenas o vento forte forçava entrar pelas frestas da janela de madeira.
Voltei aos pratos, com pouca coragem e mais preguiça ainda.

- Miguel, deixe aí..

Virei assustado. O coração disparado, quase saindo pela boca. Arrepiado até o pé, pálido, tentando recuperar o fôlego. Fiquei me questionando se estaria ficando louco ou algo do tipo. Acho que pensar em Laura está me fazendo mal. Talvez eu devesse largar de escrever sobre ela, vender a casa e ir morar em alguma praia longe daqui. Por hora, resolvi apenas terminar o trabalho todo e manter a cabeça no lugar.